O Povo que mais se destacou na procura do Mito do “Preste João”De entre todos os povos que foram acometidos pela febre da procura do reino do “Preste João”, o povo português foi de entre todos os povos, o que mais se destacou. Chegando mesmo em 1415, a preparar uma pequena força expedicionária, de cerca de 45.000 homens e mais de 200 velas, que sob o comando de Duarte, Pedro e Henrique, 3 dos 5 filhos de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, zarparam de Lisboa com o fim de estabelecer no norte de África uma rota terrestre até ao reino do mítico “Preste João”.
A conquista do porto de Ceuta, foi sem dúvida um grande feito militar. Contudo, a conquista daquela praça do reino de Fez, só veio a provar aos portugueses que não havia qualquer possibilidade de abrir uma rota terrestre que os conduzisse ao reino do “Preste João”.
Na verdade, a vastidão do deserto do Sara, a ferocidade que os mouros mostraram em combate, as técnicas de guerrilha usadas pela sua cavalaria ligeira que de longe dizimavam as fileiras Lusas e, até mesmo, pelo armamento das tropas Lusíadas, pesado e desadequado para aquele cenário bélico, foram factores determinantes para se concluir da gigantesca insensatez em alcançar por terra a parte mais Oriental da África.
Mas, se dúvidas ainda houvesse em alguns sectores mais conservadores da sociedade portuguesa de então, nomeadamente, naqueles sectores cujas mentes ainda estavam cristalizadas nos feitos da cavalaria de outros tempos, com a expedição de 1437 a Tânger, os portugueses obtiveram da pior forma a certeza, de que aquela impossibilidade era muito real, uma vez que aquela expedição às inóspitas terras do norte de África, fez com que as tropas Lusíadas, comandadas por D. Henrique, conhecessem o pior desastre militar em África, até à data da batalha de Alcácer-Quibir. A inabilmente de D. Henrique, que se deixou isolar da costa, e por conseguinte, ficou sem o apoio logístico que esta lhe proporcionava e, sem a capacidade táctica para poder escolher o campo de batalha, ou de poder retirar as suas forças de combate se este o desaconselhasse a refrega, foi cercado pelas hordas inimigas, que de longe rechaçaram as esperanças das imóveis e impotentes fileiras Lusas.
Com o orgulho português letalmente ferido, aquela derrota militar veio a marcar por muito tempo a economia do reino de Portugal e, em particular, veio a marcar dramaticamente a enclítica geração, uma vez que para D. Henrique poder embarcar o que restava das suas maltratadas forças de combate, teve que desonrosamente prometer às forças inimigas a paz e a restituição do porto de Ceuta. Pelo que como penhor da sua palavra, teve que entregar aos vencedores o seu próprio irmão, o Infante D. Fernando, o qual, por falta de cumprimento do que fora por si firmado, viria a morrer no cativeiro.
Assim, com o trágico fim da “cruzada” Africana e, com a consequente ruína nos cofres do reino e a penúria das nobres famílias portuguesas, os estrategas daquela ousada aventura viriam a concluir, que a existir um caminho que conduzisse os portugueses ao reino do “Preste João”, só poderia ser por mar, contornando a África e, nunca por terra. Pelo que depois daquela frustrada campanha no norte de África, todo o património humano e material da casa senhorial de D. Henrique e da Ordem de Cristo em particular, foi colocado ao serviço do projecto dos Descobrimentos marítimos portugueses.
Projecto que já estava em curso, uma vez que em 1419, D. Henrique Na qualidade de Governador da Ordem de Cristo tinha mandado João Gonçalves Zarco reconhecer a ilha de Porto Santo, e em 1420, tinha mandado Tristão Vaz Teixeira reconhecer a ilha da Madeira e, mais tarde, em 1427 tinha mandado reconhecer os Açores.
Na verdade, estes reconhecimentos dariam início à grande gesta portuguesa que viriam a engrandecer os anais pátrios.
Todavia, o mais importante e o mais promissor para o reino e para a Ordem de Cristo em particular, não foi o reconhecimento daquelas Ilhas atlânticas, que já se sabia existirem, mas sim, a alteração da estratégia de exploração marítima, a qual passou a centrar-se na navegação à vista das arenosas costa do norte de África, a fim de se descobrir a tão ambicionada rota que conduzisse os portugueses ao reino do “Preste João”. Contudo, dado a fragilidade que as barcas de vela redonda apresentavam em mar alto e, sobretudo, a pouca autonomia que estas possuíam em provisões, uma vez que a navegação com este tipo de navios, só poderia ser feita com os litorais à vista, ou não muito distantes.
Para uma navegação junto das desérticas e desconhecidas costas, era necessário um outro tipo de navio, que fosse mais poderoso em armamento e, que tivesse uma maior autonomia e adaptabilidade às missões específicas de descobrimento e de exploração. Pelo que para suprimir esta imperiosa necessidade dos nautas latinos, os cientistas portugueses desenvolveram a “caravela latina”, a qual, foi um poderoso navio com dois mastros de pano latino, uma coberta e um pequeno castelo de popa, com um só piso e, com cerca de 50 tonéis de arqueação. Pela sua versatilidade, a “caravela latina”, tanto pela facilidade com que bolinava, como pela facilidade com que navegava junto à costa e entrava em embocaduras de rios, veio a notabilizar-se como sendo um navio ideal para singrar em mares bravios e desconhecidos.
Na verdade, a “caravela latina” combinava a capacidade de poder levar os seus tripulantes até mais longe, com a autonomia adequada àquelas inóspitas regiões que explorava. Em face a esta demonstrada performance, a “caravela latina” veio a ser o maior navio até então empregue nas viagens de descobrimento e, aquele que tornou possível tal feito náutico.
Por outro lado, apesar daqueles navegadores possuírem a “caravela latina” e estarem na posse dos segredos náuticos da Ordem do Templo, que na verdade constituíam o seu verdadeiro tesouro, o projecto para os mais prudentes e para os mais avisados, parecia ser uma desmedida loucura, uma vez que não havia tecnologia segura para se navegar num oceano aberto e desconhecido, como também não se dispunha de conhecimento de orientação para se navegar no Hemisfério Sul, dado que naquela época, só o céu do norte se encontrava cartografado. Por outro lado, os navegadores acreditavam que os mares do Sul estavam habitados por gigantescos terriveis monstros.
Assim, de onde teria vindo a informação de que era possível encontrar um novo caminho para o Oriente? Sem dúvida, que este conhecimento era um dos segredos templários, que muito provavelmente fora adquirido durante as cruzadas, uma vez que para além daqueles se especializarem no transporte marítimo de peregrinos para a Terra Santa, mantiveram intenso contacto com os viajantes de toda a Ásia.
No entanto, apesar de naquela época a tecnologia náutica ser rudimentar e pouco precisa e, por consequência, transformar a ousadia de enfrentar os mares desconhecidos como uma utopia e um sonho para os mais prudentes, D. Henrique manteve sempre uma grande persistência na descoberta de rotas marítimas que conduzissem os portugueses ao lendário reino do “Preste João”.
Tal persistência, leva-nos a concluir, que provavelmente aquele Infante tivesse na sua infância escutado as fantasiosas narrativas sobre aquele lendário e distante reino. E muito provavelmente, através dos relatos dos mercadores, ou talvez, muito simplesmente através dos interrogatórios que foram feitos aos prisioneiros muçulmanos, os quais, não deixariam de falar dos grandes reinos negros a sul do grande deserto.
Assim, provavelmente, por esta via oral, D. Henrique tivera conhecimento que existiam grandes reinos para lá do grande deserto, os quais, bem poderiam ser reinos que prestavam vassalagem ao mítico rei “Preste João”, pelo que durante toda a sua vida, o Infante passou ardentemente a desejar alcançar aquelas longínquas e míticas regiões. Pois, pretendia estabelecer alianças com o reino cristão do “Preste João”, para na retaguarda do inimigo criar uma outra frente de batalha. Na qualidade de Governador da Ordem de Cristo, pretendia ainda com a ajuda daquele reino cristão, pôr fim ao monopólio muçulmano das especiarias, e colocar novamente Jerusalém em mão cristãs.
Com este sonho de servir Deus e ao mesmo tempo servir o reino de Portugal sempre presente, passou a ser usual, quase numa forma de expressão de despedida, pedir aos seus navegadores que zarpavam para o mar desconhecido e misterioso, que lhe trouxessem notícias daquele lendário e distante reino.
No entanto, não deixa de ser curioso, que o facto de já terem passado muitos séculos, desde que pela primeira vez se ouvira falar nas terras Lusíadas do “Preste João” e, que naturalmente, pela imperativa lei da vida, aquele já não se encontrasse entre os vivos, não teve qualquer importância, nem para o Infante D. Henrique, nem para qualquer um dos seus cavaleiros, uma vez que continuaram sistematicamente a procurar aquele mítico monarca. Pelo que tal procura parece ter sido influenciada por algo de muito transcendente que parecia empurrar os portugueses para o cumprimento duma missão, que parecia estar para eles talhada por desígnios divinos e transcendentes.
Assim, os portugueses imbuídos duma celestial vontade e dum férreo querer, metodicamente a régua, a esquadro e a compasso, traçaram na cartografia do mundo as suas expedições atlânticas, as quais, a bom ritmo vieram a suceder umas após outras.
Na verdade, cada viagem passou a ser uma lição de arte de bem navegar. Ano após ano, comandantes e tripulações tomavam conhecimento cada vez mais pormenorizado dos ventos, das correntes e, das marés. E, assim, por muito tempo, continuaram os portugueses na busca da suprema perfeição. Décadas depois do reconhecimento das ilhas atlânticas, já os navegadores portugueses sabiam com inaudito pormenor onde havia baixios, onde geralmente havia calmarias, onde os navios seriam arrastados para o largo e onde os ventos costumavam soprar pela proa, ou pela ré.
Por outro lado, para além do pormenorizado conhecimento geográfico que aos poucos iam adquirindo, os nautas aperfeiçoaram também os instrumentos de marear, uma vez que levavam consigo instrumentos para sua orientação, que souberam melhorar e aperfeiçoar, o que lhes veio a proporcionar cada vez mais confiança e mais ousadia no desconhecido.
Assim, cada navio que zarpava de Lagos, embarcava com ele também a ambição de avançar mais umas léguas para Sul. Embarcava com ele também, o desejo de descobrir novas terras e novas culturas. E acima de tudo, embarcava com ele a ambição das muitas e fabulosas riquezas que os esperavam no lendário e mítico reino do “Preste João”.
Porém, o notável e revolucionário feito da epopeia marítima portuguesa, foi de que a bordo dos navios de Portugal passou-se a tomar nota dos vários pormenores geográficos que iam sendo verificados, os quais, por sua vez, iam sendo acrescentados, ou iam sendo corrigidos nos mapas já existentes.
Nas viagens marítimas foi também prática corrente, dar-se um nome ao local que fora descoberto, que muitas das vezes correspondia ao santo do dia, ou ao nome de quem se pretendia homenagear, ou até mesmo, ao aspecto natural da paisagem. Como foi o caso da ilha do Príncipe, da ilha de S. Tomé, ou ilha da Madeira, ou até mesmo quando Dinis Dias chegou ao cabo verde.
Mas, para que esta explosão e ânsia de conhecimento fosse uma realidade que atingiu todo um povo como se fosse uma estirpe altamente contagiosa, foi necessário armar os navios que zarpavam à descoberta de novas terras e de novos caminhos marítimos. E para isso, foram necessários fenomenais investimentos dum reino que fora devastado por uma guerra fratricida, e que havia sido empobrecido pelas aventuras africanas. Pelo que tal investimento só poderia ter sido realizado pela riquíssima Ordem de Cristo, dado que construir caravelas, aparelhá-las com os necessários equipamentos e apetrechos de marear, fornecer provisões para muitos meses de mar, remunerar convenientemente a tripulação, e compensar todos os cientistas que em terra lhe davam cobertura e apoio, era necessário grandes somas de dinheiro de que a coroa portuguesa não tinha. É certo também, que a corte portuguesa prestou toda a cobertura a tais iniciativas, uma vez que a própria Ordem de Cristo se confundia com a própria corte de Portugal.
Assim, para além dos homens e, dos mais variados meios e facilidades jurídicas, a corte de Portugal concedeu o exclusivo da navegação e do comércio abaixo do Bojador ao Infante D. Henrique. Contudo, apesar daqueles negócios, ou tratos como então se dizia, serem bons para os seus interventores, consta-se que o Infante morreu muito endividado.
Na verdade, em face do desconhecido, foi a Força Lusa que levou os portugueses a serem abnegados e ousados. Foi a Beleza Lusa que incentivou os portugueses a procurar o mítico reino do “Preste João”, novas terras e outras culturas. Mas, acima de tudo, foi a Sabedoria Lusa, que fora herdada dos mistérios do Templo, que permitiu a concretização de toda a epopeia marítima dos Descobrimentos. Sem esta trilogia, nunca teria sido possível realizar a grande gesta Lusitana que muito contribuiu para o fim da Idade Média e para o engrandecimento de Portugal.