domingo, 1 de junho de 2008

A Procura do Mito

A Procura do Mito

Se a grande impulsionadora dos Descobrimentos marítimos foi a casa senhorial do infante D. Henrique e, em particular a Ordem de Cristo, foi no reinado de D. Afonso V que aquele projecto passou a ser considerado um desígnio nacional, que por essa mesma razão, passou a ser directamente dirigido pela casa real. No entanto, apesar da mudança política entretanto havida, a Ordem de Cristo manteve neste reinado todas as responsabilidades e prerrogativas que até então lhe coubera. Contudo, foi através do filho de D. Afonso V, que viria a ser o rei D João II de Portugal, que o projecto henriquino viria a tomar forma e um gigantesco impulso, como também, foi neste reinado que se intensificou a procura do mítico reino do “Preste João”.

Na verdade, D. João II, que ficou imortalizado na História como sendo o “Príncipe Perfeito”, cognome adequado, uma vez que este monarca se notabilizou como sendo um político arguto e de qualidades excepcionais para o seu tempo. E, como tal, sabia muito bem, que as navegações e a descoberta de novas terras estavam em bom ritmo e que depois dos portugueses contornarem o continente Africano, iriam ter sérios problemas com a navegação no oceano Índico. Principalmente, pelo desconhecimento que os portugueses tinham daquela distante região do globo, fortemente dominada pelos muçulmanos, naturais adversários de toda a Europa cristã.

Por outro lado, as teorias geográficas que proliferavam na época, ainda dominadas pela geografia de Cláudio Ptolomeu, que davam conta, ser aquele continente Africano menos extenso em longitude do que na realidade era, viriam a criar a expectativa nos portugueses de que se podia atingir o reino do “Preste João” por via fluvial. Na verdade, devido à cartografia então conhecida, a qual era destorcida, onírica e pouco precisa, deu a ilusão aos portugueses, que se os navios portugueses subissem os grandes rios africanos, aqueles navegariam directamente para a Índia, e que por aquela via, Portugal podia rapidamente e facilmente participar no lucrativo comércio das especiarias.

No entanto, perante os conhecimentos cartográficos que iam sendo adquiridos pelas sucessivas expedições de exploração marítima, fez com que D João II viesse a duvidar do conhecimento geográfico de Ptolomeu, o mais famoso cosmógrafo da antiguidade clássica, que durante 14 séculos ninguém tinha ousado contestar. Pelo que em 1481, num momento de extrema importância para a política de expansão do Atlântico Sul, dado que paralelamente com a construção da fortaleza de S. Jorge da Mina, D. João II decidiu continuar as explorações além do cabo de Santa Catarina, afim de corrigir o conhecimento cartográfico existente e, certificar-se se por via fluvial podia, ou não, atingir a Índia e o reino do “Preste João”.

Assim, tudo nos leva a admitir, que foi com esta ideia em mente, que em 1486, D. João II enviou Diogo Cão à foz do Congo. O qual, no cumprimento das ordens régias, subiu aquele grande rio. Sabe-se, que naquela expedição, Diogo Cão encontrou nativos amigáveis e permeáveis à fé cristã, o que o fez supor, serem aqueles governados por um poderoso rei, que residia mais para o interior do continente.

Por sua vez, é do conhecimento histórico, que para adquirir um maior saber sobre aquela região, Diogo Cão ordenou o embarque de alguns daqueles nativos “amigáveis”, a fim dos interrogar e de os ocidentalizar. Como pela mesma fonte também se sabe, que o Navegador enviou mensageiros e presentes ao potentado negro local, a fim de através daquele gesto manifestar as suas pacíficas intenções. Contudo, não se deteve por muito tempo naquelas paragens, e decidiu prosseguir viagem mais para o Sul, contornando a costa, e acabou por atingir aquilo que julgou ser o extremo meridional da África. Um erro que lhe valeria mais tarde cair em desgraça, uma vez que a partir daquela data, a história não faz mais qualquer referência ao intrépido Navegador. Retornando à expedição de Diogo Cão, sabe-se que o Navegador veio a regressar ao Congo, depois de decorridas 15 luas. E, que nesse seu retorno, enviou ao rei negro quatro dos nativos que havia embarcado à sua chegada àquelas paragens, já trajados à portuguesa e, já com alguns rudimentares conhecimentos da língua portuguesa. Na verdade, aqueles nativos meio ocidentalizados, vieram a ser os primeiros embaixadores da civilização lusitana naquela desconhecida terra. Sabe-se também, que o monarca daquelas paragens ficou encantado por ouvir da boca dos seus súbitos notícias precisas a respeito dos estrangeiros, que o levaram a encetar amistosas relações com os portugueses, que viriam a perdurar durante séculos.

Contudo, foi na mesma época, que um tal João Afonso de Aveiro regressou de Benim, onde estabelecera uma feitoria comercial, e relatou ao rei D. João II, que “a vinte meses de jornada a partir da costa, vivia um rei que era venerado pela sua gente, de maneira igual àquela como o papa é venerado pelos cristãos católicos. Desse relato resultou para D. João II a certeza de que aquele reino muito provavelmente seria a mítica terra do “Preste João”, uma vez que uma jornada de vinte meses corresponderia na época a um percurso de cerca de 1800 km. Distância aproximada a que estava o antigo reino da Abissínia.

Assim, com a notícia de João Afonso de Aveiro, uma nova onda de esperança de se poder encontrar o mítico reino varreu as mentes de toda a Lusitânia. Pelo que, em 1487, o rei D. João II resolve tirar aquela informação a limpo. Por isso, manda que por terra alguns dos seus espiões marchem para o Oriente, a fim de obterem novas, quer do lendário reino do “Preste João”, quer da navegabilidade do oceano Índico. Porém, ao mesmo tempo que recorre a espiões, ordena também a Bartolomeu Dias, seu Navegador e seu Escudeiro, que verifique se a África está ou não ligada à Terra Austral. Ou seja, aquele monarca pretendia saber se por mar era, ou não, possível contornar a África e alcançar a Índia.

Contudo, com o objectivo de obter tais informações, antes do grande feito de Bartolomeu Dias se realizar, aquele rei enviou Frei António de Lisboa e Pêro de Montarroio, com a missão de no norte de África obterem as tão desejadas informações sobre o reino do “Preste João” e sobre a navegabilidade do oceano Índico. Missão que aqueles agentes do rei vieram a falhar, principalmente porque não falavam o idioma árabe. Por conseguinte, foi no mesmo ano em que Bartolomeu Dias venceu o Cabo da Boa Esperança, que D. João II, voltou a insistir na estratégia de enviar espiões para obtenção de informações sobre o mítico reino. Pelo que envia por terra mais outros dois espiões, Pêro da Covilhã e Afonso de Paiva. Mas, desta vez, submetera os seus agentes a uma meticulosa preparação secreta. Aliás, Pêro da Covilhã já tinha cumprido diversos serviços secretos no estrangeiro, tanto ao serviço de seu pai, D. Afonso V ,como ao seu próprio serviço.

Sabe-se que a missão de espionagem consistia em: que Afonso de Paiva deveria encontrar o lendário reino do “Preste João”, obter informações sobre a geografia da região junto dos marinheiros daquela zona, nomeadamente sobre a ligação entre o oceano Índico e o oceano Atlântico. E que Pêro da Covilhã deveria na Índia obter todas as informações que fossem importantes e relevantes ao plano das Índias. Deveria por isso obter conhecimento do local exacto da produção e comercialização das especiarias, como deveria saber, qual era a distância entre o extremo sul da África e os portos mais importantes da Índia. Por outro lado, também lhe coube a missão de obter informações sobre a existência de cristãos no Oriente.

Pêro da Covilhã veio a cumprir escrupulosamente a missão que lhe fora confiada, passou pelo mar Vermelho, pelo Golfo Pérsico e foi até Sofala, que se situava no sul de África, no lado do Índico. Quatro anos depois de ter iniciado a sua importante missão, regressou ao Cairo, cidade onde veio a saber por dois emissários do rei D. João II, Mestre José Sapateiro e o rabi Abraão, que Afonso de Paiva tinha falecido algum tempo antes, sem deixar qualquer testemunho da sua missão. Por aqueles emissários do rei, ficou também a saber, que não poderia retornar a Portugal sem alcançar o reino do “Preste João”, pelo que na companhia do rabi Abraão viajou até Calecut, Goa e Ormuz. E daí para outras paragens. Acabando por encontrar em 1493, um reino cristão na África Oriental, cujo nome do seu chefe era Eskender e não João, e usava o título de Négus em vez de rei, o que é natural, dado que o nome de “Preste João” não era mais do que um título simbólico do mito.

Contudo, aquele emissário do rei D. João II veio a descobrir, tal como Marco Polo o descobrira um século antes, que o Négus Eskender tinha poucas semelhanças com o “Preste João” das histórias e das lendas do seu tempo, não obstante o esplendor que encontrara na sua corte. Na verdade, à semelhança com o que vinha sucedendo aos vários emissários europeus, não lhe fora permitido deixar a corte de Eskender, como também não lhe fora permitido enviar relatórios ao seu rei. Dir-se-ia que o “Preste João” temia que na Europa se soubesse que o seu reino não era afinal tão esplendoroso como aquela especulava. Não obstante de ser um prisioneiro, Pêro da Covilhã foi acumulado de honrarias e passou a gozar de uma grande influência na corte da Abissínia.

Porém, no tempo do négus Lebna Denguel (Incenso da Virgem) (1508-1540), devido a uma série de escaramuças com as potências islâmicas da costa, levou a que a regente Helena, uma princesa muçulmana convertida, mandasse um mensageiro estabelecer relações diplomáticas com o reino de Portugal, Mateo, o Arménio, o qual veio a ser em Lisboa humilhado e maltratado, sobretudo pelas suas práticas religiosas. No entanto, por consequência deste contacto, já há muitos séculos esperado, resultou numa embaixada chefiada por D. Rodrigo de Lima. Apesar da grande importância do acontecimento, parece que os portugueses foram acolhidos sem grande entusiasmo, segundo as más línguas daquele tempo, Lebna Denguel teria ficado decepcionado com os magros presentes da Europa. Como também através da mesma fonte se sabe, que quando lhe mostraram a representação do pequeno reino de Portugal, aquele monarca comparando-o com o seu reino e, ficou consternado com a sua pequenez. Todavia, daquela embaixada resultou que aquele monarca tivesse aceitado ceder Massawa como base naval de Portugal, como também prometeu a sua aliança contra os Muçulmanos. Por curiosidade, também se sabe que pediu a Portugal em contra partida desta concessão, artesões e médicos, o que não deixa de ser relevante, dado que naquele tempo, um governante europeu teria pedido armas e riquezas.

Por outro lado, Quando em 1520, Francisco Álvares cronista da referida embaixada chefiada por D. Rodrigo de Lima, chegou à corte do négus da Abissínia, Pêro da Covilhã ainda lá vivia, agora casado com uma esposa etíope e com família própria. Pêro da Covilhã só viria a morrer alguns anos mais tarde, ainda disfarçado de mercador e ao serviço do rei de Portugal.
Na verdade, foi o padre Francisco Alves quem escreveu a dar a notícia completa sobre o reino do “Preste João”. E, com esta notícia, o cronista da embaixada de D. Rodrigo Lima deu a estocada final à lenda do “Preste João” e anunciou o início das relações diplomáticas com aquele reino. Aliás, relações, que foram sempre acompanhadas duma forte acção missionária, a fim de trazer de volta aquele povo ao seio católico. Porém, foi a partir daquela embaixada, que a Europa viera a decidir, que os imperadores da Abissínia seriam os “Prestes João” tão procurados pelos europeus. Os quais, não deram mostras de se importarem com a atribuição de tal título, uma vez que muitos chegaram a assinar as suas cartas com o nome de "Preste João".

Porém, apesar do padre Francisco Alves alegar que Pêro da Covilhã cumprira a sua missão e fizera tudo quanto D. João II lhe exigira fazer, é muito pouco credível que Pêro da Covilhã tenha conseguido fazer chegar ao rei português as informações vitais para o plano da Índia, uma vez que quando Vasco da Gama chegou a Calecut, o Samorim era muito mais rico do que os portugueses esperavam, e aquele monarca estava habituado a receber ofertas muito mais valiosas do que aqueles supunham.

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